Atravessamos a cidade com todas as suas belezas e intempéries.
E assim como nossos passos ajudam a desenhar a paisagem, a cidade também nos
transforma com a dureza arquitetônica dos seus prédios e o desarranjo das
avenidas, onde desamparados se misturam pessoas e carros. Adquirimos novos
contornos, moldados pela rudeza do cotidiano. E na angústia do presente,
irrompida da multidão solitária, surge em nós, muitas vezes, o desejo de partir.
Mas para onde fugir, se a cidade, com seus vícios e prazeres, está já tão incrustada
dentro de nós?
É nessa teia,
então, que nascem as líricas. E de repente, a tradução pela
poética daqueles pensamentos que não conseguiram se converter em voz, faz
emergir do cerne os anseios dispersos do coração, preenche com ditosas
ilusões as lacunas de nossa medíocre existência, e de uma forma sutil, traz um
pouco de enlevo e brandura às nossas frágeis vidas.
Reconstruindo a paisagem de dentro para fora, do que é a cidade
e do que somos nós, a poesia brada, não pelas ruas tortuosas, mas pelas páginas
rotas da nossa consciência: às vezes saudade, outras vezes desejo; a denúncia
que desperta para a mudança; a paixão que faz sangrar; a solitude, ora tão necessária,
ora tão indesejada; as desilusões e conflitos íntimos tão comuns a todos nós; a
busca e o encontro com o amor. Sabores presentes em cada esquina dobrada, em
cada prédio e em cada “ser” do humano.
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